Mergulhar de Cabeça?

Publicado: abril 26, 2008 em Olhar para dentro, Reflexões

Um dos fatores que mais determina a intensidade com que eu recebo as ações das pessoas ao meu redor é o quanto eu tenho as guardas erguidas contra ela.

Se eu tenho as guardas erguidas, sou tão forte. As coisas não me atingem. E não é questão de insensibilidade: é que eu sou relativamente seguro em relação às coisas que acredito, e a minha concepção sobre as pessoas não é geralmente tão romântica. Isso significa que, via de regra, eu sei do que as pessoas podem fazer e estou pronto para enfrentá-las diante do conflito do que cada um acha certo. Isso não significa, também, que eu saia distribuindo socos por aí. Eu tento sempre, independente de com quem interajo, ser uma pessoa construtiva. Mas são níveis de tolerância e compreensão diferentes, mais flexíveis de acordo com quem é a pessoa do outro lado. É importante buscar a convergência, mas ignorar as divergências e achar que elas não são importantes é um suicídio de personalidade que não estou disposto a cometer.

Acontece que eu nunca estou preparado para enfrentar aquele que está do meu lado. Não me protejo dos lados. Sou muito intenso, total 8 ou 80, e por isso me falta, algumas vezes, a exata compreensão de que as pessoas, por mais especiais que sejam, são pessoas. E que elas não vão agir querendo o nosso bem, sempre. Às vezes vão olhar mais para si do que para os outros, às vezes serão egoístas, e às vezes, mesmo que bastante raramente, elas vão fazer algo que sabem (ou que obviamente deveriam saber) que vai nos magoar muito. Disso, decorrem três problemas principais, com os quais eu estou tentando aprender a lidar:

O primeiro é que isso nos deixa muito triste. Ser intenso é isso aí: se jogar. Se a gente acha que a piscina é rasa, a gente pula com bastante cuidado. Se a gente tem dúvida, fica a prudência. Mas se temos certeza de que é aquela velha e funda piscina, que está ali para alimentar nossa alma, a gente pula de cabeça. E se isso acontece e encontramos a piscina vazia, dói muito, muito mais.

O segundo é que isso muda completamente minha relação com as pessoas-piscinas. Eu perdôo muito fácil, mas certos sentimentos não voltam a ser como eram nunca mais. Não é mágoa, não é ressentimento, é um instinto de sobrevivência que tenta fazer com que minha alma fuja da dor. Resgatar a antiga confiança passa a ser uma tarefa extremamente árdua e geralmente as pessoas não estão dispostas por passar por todas as fases da conquista que já se passaram, o que é muito compreensível. O ser humano se acostuma muito fácil em ter mais, e fica muito frustrado quando passa a ter menos.

O terceiro e maior problema é que isso afeta a minha própria relação ao mundo. Falei com uma amiga estes dias e, sinceramente, não quero que minha esperança seja uma utopia abstrata de aplicação prática no éter. Quero que minha esperança seja real, desprovida de ingenuidades exageradas, alienações e mentiras. Mas ao mesmo tempo, sempre que uma pessoa faz parte de um alicerse de seus valores, e depois deixa de fazer, os seus próprios valores e concepções são afetados. E não adianta: não consigo (e nem quero) que pessoas que amo deixem de fazer parte dos meus alicerses. Então, quando se destrói a imagem que eu tinha delas, se destrói um pouco da minha concepção de mundo também. Cada vez que eu pulo de cabeça na vazia piscina fica mais improvável que eu me jogue com determinado empenho novamente. Eu luto para não aceitar isso, mas às vezes parece que não é uma batalha que eu devesse enfrentar sempre.

O que eu sei é que não quero o raso. Mas talvez precise descer devagar ao invés de me jogar.

Eu preciso andar de punhos abaixados, sim. Mas preciso ser forte o suficiente para aguentar todas as consequentes pancadas que vou receber. Vou olhar diretamente para cada golpe e recebê-lo como o golpe de uma vida intensa e condizente com o que acredito ser certo. Vou cair, vou me perder na escuridão. Mas não hoje. Hoje não!

(Virada Cultural – amigos, músicas, e tudo do mais legal – eu quero isso todo dia)

comentários
  1. Sr. Stern disse:

    Cuidado para não deixar de pular por medo da dor. Às vezes a questão do pulo não é simplesmente a piscina. Aprendi recentemente que a mera sensação de estar alí flutuando no ar já é algo incrível… É claro que é sempre bom tentar garantir que há uma piscinininha sussa esperando e não um precipício… Mas os riscos são inevitáveis… a dor também deve ser. Raramente até acho razoável dar um salto ornamental em direção ao abismo mesmo sabendo que ele está lá… estou ficando louco?

    Por outro lado, se uma pessoa magoa e não está disposta a correr atrás, quão poderoso era aquilo que ela própria sentia? Foi ela que se apegou ao fácil ou foi você que se apegou a acreditar que ela era especial e continuaria sendo para sempre?

    Aquilo do qual realmente se tem certeza é das ações.

  2. Jac Oliveira disse:

    o que houve, menino paulista?

  3. Rose disse:

    Gabriel:
    A vida é sempre um caminho de descobertas, enfrentamentos conosco e com os outros, aprendizagens diversas. É necessário entendermos e aceitarmos isso, para que não venhamos a ter medo de viver e correr riscos.
    Nesse percurso diário, necessitamos desenvolver o equilíbrio com uma boa dose de bom senso. Acho que esses dois companheiros, na bagagem, nos ajudam a sinalizar melhor a nossa estrada pessoal, fortalecendo-nos para nossas escolhas.
    Você me parece amadurecido. Seus questionamentos são pertinentes, resultado provável de sua observação apurada sobre fatos e pessoas. Sei que saberá apreender o melhor de cada lição e seguir adiante mais seguro de si e de seus ideais.
    Um beijo de carinho!
    Rose.

  4. Cátia disse:

    Acredito que você ja fez a grande descoberta.
    Viver e se relacionar com pessoas na minha concepção , é o que tem de mais frágil, complexo e apaixonate.

    Penso sempre que o cuidado que deve ser tomado com aqueles , que imaginávamos não precisar cuidado… é o que mais machuca na hora do mergulho.

    Só pra variar , eu amei este texto novamente! rs

    Um abraço

  5. Leta disse:

    Gab, transborda admiração quando leio seu blog, me identifico muito com seus dizeres.

    Já lhe disseram aqui o que era pertinente com excessão de que ás vezes, as boas noticias vêm disfarçadas de más…
    É preciso ver através, o que a vida está querendo realmente nos mostrar…

    E isso, eu aprendi da forma mais brusca, e quando tempos atrás estava me esquecendo, foi vc quem me fez lembrar; agora é minha vez \o/

    Beijos

  6. Melina disse:

    Adorei esse texto seu!
    E ele disse muito do que eu sempre quis dizer para mim mesma, ou escrever para eu saber o que sentia e o incrível é que você ao definir suas atitudes e sentimentos, acabou definindo como eu me sinto também.

    E eu antigamente tinha uma dificuldade enorme de perdoar, e tudo mais, mas, essa fase já passou. Porque no final só percebo que os dias vão passando e vou perdendo dias e ótimos momentos que poderia está tendo ao lado do meu maravilhoso amigo, é fato que a dor vai tá sempre ali e talvez com qualquer coisinha aquela dor irá se manifestar, mas, temos que mostrar para essa dor quem é que manda no nosso corpo, que a felicidade que adqürimos é mais importante do que tudo aquilo!

    Beijo!
    =*

  7. Carol disse:

    Querido Gabriel,

    Seus textos são sempre muito belos e reflexivos…

    Mas eu ultimamente tenho tentado sentir muito mais do que explicar…

    Acho que devemos entrar de cabeça mesmo é no mar… nas infinitas possibilidades que a natureza oferece, no sentido de amar infinitamente da forma que nos for possível.

    O sal sempre ajuda a sarar as feridas, vai ver por isso às lágrimas são agridoces…

    Beijos e um feliz e azul final de semana para ti!
    Carol

  8. Você aborda quase todos os lados da questão, tornando difícil iniciar um comentário.

    Mas vamos lá.

    O sr Stern não está ficando louco por saltar em direção ao abismo que sabemos estar lá. A amizade é assim mesmo.Colocar a mão no fogo. E não se trata de crer que não arderá. Vai queimar, decerto. Então por que a colocar, mesmo assim? Simples. Amigos valem a pena. O nosso árduo caminho de buscas por concepções que nos convenham exigiria esforços supra-humanos. Os amigos aumentam nosso limiar de dor, e nos permite prosseguir, persistir.

    Sei que minhas mãos queimarão. Ainda assim, jogo-as no fogo. É só uma questão de valer a pena. Você lembrou bem que os amigos são, antes de tudo, pessoas. E pessoas não são perfeitas; logo, amigos também não são perfeitos. E sim, muitas vezes o altruísmo da amizade vai pra baixo e prevalecem os interesses pessoais do amigo. Mas isso acontece com seu amigo, e com você também.

    Quanto à questão das convergências, creio ser natural (pois o é para mim) essa recusa em se anular. A passividade que as pessoas tomam para si, para sua vida, para viver em paz, me aterroriza, sobretudo por achar que isto destitui a essência peculiar de cada um. Acho que essa passividade desumaniza.

    Quanto à mudança de suas concepções, eu não sei bem o que comentar. Pois, apesar de eu ter encontrado em seu texto muito de mim, acho que diferimos no pragmatismo, que está infiltrado em mim de forma irreversível e é, muitas vezes, insuportável. Essas decepções vêm, para mim, como meros pedaços de apatia.
    Garanto-lhe, contudo, que não é menos triste.

  9. Tania disse:

    Iluminado Gabriel,

    Passei aqui por acaso…se é que existe o acaso…
    Estou perplexa com a unicidade de pensamento. É exatamente assim que me sinto com relação as pessoas.
    Não estou aqui querendo perfeição, claro, porém mais humanidade, percepção e sensibilidade das pessoas que nos rodeiam.
    “Enquanto a gente espera a cura do mal e a loucura finge que isso tudo é normal…eu finjo ter paciência.”

    O “Pequeno Príncipe” é uma lição de vida que, embora pensem que é somente livro infantil, todos os adultos deveriam ler com os olhos do coração.

    Beijos e agradeço a boa sorte de ter “sem querer” chegado até seu blog.

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